O gênio da bossa nova João Gilberto é conhecido por sua excentricidade. Aos 82 anos, vive recluso em seu apartamento. Dorme durante o dia e fica acordado à noite, quando cria ao violão seus arranjos musicais. Praticamente não recebe visitas e não sai de casa nem para fazer as refeições, que pede por telefone. Em vez de comprar ternos, coleciona pijamas. Com essa rotina modesta e aparentemente desconectada do mundo, é difícil imaginá-lo envolvido em tramas financeiras. Só que João Gilberto, às vezes, surpreende. No dia 5 de abril deste ano, ele foi protagonista de uma jogada milionária. O músico se associou a seu conterrâneo, o financista baiano Daniel Dantas, num negócio inédito na indústria fonográfica brasileira. Segundo o contrato, a que ÉPOCA teve acesso com exclusividade, Dantas adiantou a ele R$ 10 milhões. Como contrapartida, embolsará metade de uma indenização que João Gilberto tem a receber da gravadora EMI e poderá explorar comercialmente quatro discos gravados no auge da bossa nova, ainda em disputa judicial.
O negócio surgiu depois de uma vitória que João Gilberto obteve na Justiça no ano passado, em ação contra a gravadora EMI. Foi o maior processo que ganhou em sua carreira, depois de enfrentar uma longa batalha jurídica. Ele tinha 26 anos quando foi contratado pela extinta Odeon, subsidiária da EMI. Entre 1958 e 1963, gravou os discos que hoje são considerados obras-primas da bossa nova e difundiram a batida inconfundível de seu violão para o mundo –Chega de saudade, O amor, o sorriso e a flor e João Gilberto. Em 1988, a EMI lançou, sem autorização dele, o CD O mito, com uma coletânea remixada de músicas daqueles discos anteriores. Para João Gilberto, foi uma inaceitável mutilação de seu trabalho. Ele rompeu relações com a EMI e entrou com um processo, pedindo que o CD fosse retirado do mercado. Somente em 2012 ele obteve uma vitória no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O STJ estipulou que João Gilberto deveria receber, a título de indenização, 24% do valor dos CDs vendidos, com correção monetária. A definição do montante ainda é motivo de disputa. Os advogados da EMI afirmam que o valor a pagar é R$ 1,2 milhão. Os de João Gilberto afirmam que são R$ 100 milhões.
Pelo contrato assinado em abril, Dantas ficará com metade dessa indenização. Caberá a João Gilberto a outra metade, da qual deverá descontar os R$ 10 milhões que recebeu adiantado. A P.I. Participações, empresa de Dantas, coordenará as estratégias jurídicas e comerciais relacionadas ao processo. Conceberá iniciativas para, usando as próprias palavras do contrato, “maximizar os retornos” da ação judicial. No contexto do atual mercado, uma indenização de R$ 100 milhões parece pouco factível – isso equivale a quase um terço de todo o faturamento da indústria fonográfica brasileira no ano passado. Mas Dantas, que não joga para perder, muito provavelmente terá lucro no negócio. Além do processo já ganho, poderá ajuizar novas ações no Brasil ou no exterior, relativas ao uso indevido das gravações de João Gilberto feitas por empresas ligadas à EMI.
A parte mais peculiar do contrato diz respeito aos LPs gravados nas décadas de 1950 e 1960. Nas últimas semanas, a imprensa tem noticiado seguidamente a briga de João Gilberto pela devolução das gravações originais, que estavam em poder da EMI. Quem está por trás dessa estratégia é a empresa de Dantas. Pelo contrato, ela deveria usar “seus melhores esforços” para reaver as matrizes. Depois, deveria tentar transferir também os direitos autorais para João Gilberto. Hoje, esses discos estão fora de catálogo, porque os direitos autorais pertencem tanto à EMI quanto a João Gilberto, e não há acordo entre as partes para relançá-los. Se a transferência der certo, Dantas poderá vender as gravações no futuro e ficará com 60% do lucro obtido com a venda.
O negócio surgiu depois de uma vitória que João Gilberto obteve na Justiça no ano passado, em ação contra a gravadora EMI. Foi o maior processo que ganhou em sua carreira, depois de enfrentar uma longa batalha jurídica. Ele tinha 26 anos quando foi contratado pela extinta Odeon, subsidiária da EMI. Entre 1958 e 1963, gravou os discos que hoje são considerados obras-primas da bossa nova e difundiram a batida inconfundível de seu violão para o mundo –Chega de saudade, O amor, o sorriso e a flor e João Gilberto. Em 1988, a EMI lançou, sem autorização dele, o CD O mito, com uma coletânea remixada de músicas daqueles discos anteriores. Para João Gilberto, foi uma inaceitável mutilação de seu trabalho. Ele rompeu relações com a EMI e entrou com um processo, pedindo que o CD fosse retirado do mercado. Somente em 2012 ele obteve uma vitória no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O STJ estipulou que João Gilberto deveria receber, a título de indenização, 24% do valor dos CDs vendidos, com correção monetária. A definição do montante ainda é motivo de disputa. Os advogados da EMI afirmam que o valor a pagar é R$ 1,2 milhão. Os de João Gilberto afirmam que são R$ 100 milhões.
Pelo contrato assinado em abril, Dantas ficará com metade dessa indenização. Caberá a João Gilberto a outra metade, da qual deverá descontar os R$ 10 milhões que recebeu adiantado. A P.I. Participações, empresa de Dantas, coordenará as estratégias jurídicas e comerciais relacionadas ao processo. Conceberá iniciativas para, usando as próprias palavras do contrato, “maximizar os retornos” da ação judicial. No contexto do atual mercado, uma indenização de R$ 100 milhões parece pouco factível – isso equivale a quase um terço de todo o faturamento da indústria fonográfica brasileira no ano passado. Mas Dantas, que não joga para perder, muito provavelmente terá lucro no negócio. Além do processo já ganho, poderá ajuizar novas ações no Brasil ou no exterior, relativas ao uso indevido das gravações de João Gilberto feitas por empresas ligadas à EMI.
A parte mais peculiar do contrato diz respeito aos LPs gravados nas décadas de 1950 e 1960. Nas últimas semanas, a imprensa tem noticiado seguidamente a briga de João Gilberto pela devolução das gravações originais, que estavam em poder da EMI. Quem está por trás dessa estratégia é a empresa de Dantas. Pelo contrato, ela deveria usar “seus melhores esforços” para reaver as matrizes. Depois, deveria tentar transferir também os direitos autorais para João Gilberto. Hoje, esses discos estão fora de catálogo, porque os direitos autorais pertencem tanto à EMI quanto a João Gilberto, e não há acordo entre as partes para relançá-los. Se a transferência der certo, Dantas poderá vender as gravações no futuro e ficará com 60% do lucro obtido com a venda.
O primeiro passo nessa direção foi dado duas semanas depois da assinatura do contrato. Os advogados Flávio Galdino e Rafael Pimenta, em nome de João Gilberto, entraram com uma ação contra a EMI, pedindo a guarda das fitas originais. No dia 20 de maio, eles conseguiram retirar as fitas da gravadora e transferi-las para uma empresa de confiança de João Gilberto. Agora, o material passará por perícia. O uso comercial dessas gravações ainda será objeto de disputa. O contrato já prevê que os possíveis dividendos serão administrados por uma companhia de capital aberto, criada por João Gilberto, cujas ações serão divididas entre ele e a empresa de Dantas. A sociedade entre o músico e o financista – ou seus respectivos herdeiros – valerá enquanto durarem os direitos autorais dessas obras.
Pelo acordo, João Gilberto deverá contratar os profissionais que julgar adequados para produzir uma nova remasterização dos LPs. Dantas terá mandato amplo para usufruir essas gravações e até negociá-las para fins publicitários. Nesse caso, João Gilberto só poderá vetar o uso se houver associação de sua imagem com empresas que fabriquem bebidas alcoólicas, cigarros, armas ou agrotóxicos. Pelo contrato, ele também precisará da autorização de Dantas se quiser liberar essas gravações por vontade própria, de forma gratuita ou paga.
O documento diz que foi João Gilberto quem procurou Dantas para propor a associação. Por um motivo concreto: dificuldades financeiras. “Os atos praticados pela EMI Brasil (...) levaram João Gilberto a viver em péssima situação financeira, impedindo que ele concentrasse sua atenção nas atividades da indústria fonográfica, agravando seus prejuízos”, lê-se no contrato. O adiantamento de R$ 10 milhões permitirá a ele sanear suas contas e viver tranquilamente, sem ficar à espera da indenização na Justiça, já que a fase de execução do processo poderá levar anos. “João Gilberto precisa de recursos para viver com dignidade e tranquilidade, podendo, assim, concentrar sua atenção e foco nas atividades em que é mestre”, diz o contrato.
Pelo acordo, João Gilberto deverá contratar os profissionais que julgar adequados para produzir uma nova remasterização dos LPs. Dantas terá mandato amplo para usufruir essas gravações e até negociá-las para fins publicitários. Nesse caso, João Gilberto só poderá vetar o uso se houver associação de sua imagem com empresas que fabriquem bebidas alcoólicas, cigarros, armas ou agrotóxicos. Pelo contrato, ele também precisará da autorização de Dantas se quiser liberar essas gravações por vontade própria, de forma gratuita ou paga.
O documento diz que foi João Gilberto quem procurou Dantas para propor a associação. Por um motivo concreto: dificuldades financeiras. “Os atos praticados pela EMI Brasil (...) levaram João Gilberto a viver em péssima situação financeira, impedindo que ele concentrasse sua atenção nas atividades da indústria fonográfica, agravando seus prejuízos”, lê-se no contrato. O adiantamento de R$ 10 milhões permitirá a ele sanear suas contas e viver tranquilamente, sem ficar à espera da indenização na Justiça, já que a fase de execução do processo poderá levar anos. “João Gilberto precisa de recursos para viver com dignidade e tranquilidade, podendo, assim, concentrar sua atenção e foco nas atividades em que é mestre”, diz o contrato.
A situação financeira de João Gilberto é motivo recorrente de especulação. Em 1990, notícias publicadas por diversos jornais já sugeriam que ele estava num estado de pré-falência, com seu patrimônio reduzido a um Monza ano 1987. Uma informação aparentemente incompatível com os cachês milionários que costumava receber. Até hoje ele não tem apartamento próprio. Mora de aluguel e paga R$ 4.500 mensais. Suas principais fontes de renda são os shows e a venda de discos. João Gilberto não se apresenta desde 2008. Os indícios de complicação financeira aumentaram.
Em 2010, ele assinou com a empresa Tom Maior um contrato para fazer duas apresentações, no Rio e em São Paulo. Recebeu um adiantamento de R$ 500 mil. Os shows foram cancelados, mas João Gilberto não devolveu o dinheiro e é cobrado na Justiça. Em 2011, João Gilberto assinou com o produtor baiano Maurício Pessoa outro contrato para fazer uma série de shows. Quem intermediou o negócio foi Cláudia Faissol, mãe de sua filha caçula e uma das poucas pessoas que têm acesso a ele. João Gilberto recebeu um adiantamento de R$ 210 mil. Os shows não foram realizados, e o dinheiro também não foi devolvido. “Já fizemos duas reuniões para tratar da devolução desse dinheiro, mas não houve avanço. Temos de tomar as medidas cabíveis”, diz Maurício Pessoa.
Diante desse tipo de ameaça, o acordo com Dantas soa como um resgate financeiro. Quem ajudou a costurá-lo foi o advogado Marcos José Santos Meira. Filho de Castro Meira, ministro do Superior Tribunal de Justiça, foi ele quem ajudou João Gilberto a ganhar a causa contra a EMI no ano passado. Assim como Dantas e João Gilberto, ele também é baiano e conheceu o artista por meio de amigos em comum, em 2008. Meira foi advogado do ex-ministro José Dirceu num caso de improbidade administrativa na Casa Civil, em 2005. Dois anos depois, foi condenado pela Comissão de Valores Mobiliários por uso de informação privilegiada, durante o processo de compra da Varig pela Gol. Ele não quis falar sobre o contrato. “Preciso conversar antes com João, mas só vou encontrá-lo na semana que vem”, diz.
João Gilberto não dá entrevistas. Mesmo pessoas ligadas a ele sabem pouco de sua vida. Para o crítico e produtor musical Zuza Homem de Mello, ele vive exclusivamente para sua arte. Não se preocupa com questões materiais.“Negociações envolvendo dinheiro são conduzidas pelas pessoas que o cercam”, diz. João Gilberto, sabe- se agora, tem bons advogados. Procurada por ÉPOCA, a assessoria do grupo Opportunity, de Dantas, confirmou as informações da reportagem. “Não é de hoje que o Opportunity investe em cultura. João Gilberto nos procurou e decidimos apoiá-lo para que ele continue se dedicando a sua música”, diz a assessoria, fazendo eco às palavras do contrato.
Em 2010, ele assinou com a empresa Tom Maior um contrato para fazer duas apresentações, no Rio e em São Paulo. Recebeu um adiantamento de R$ 500 mil. Os shows foram cancelados, mas João Gilberto não devolveu o dinheiro e é cobrado na Justiça. Em 2011, João Gilberto assinou com o produtor baiano Maurício Pessoa outro contrato para fazer uma série de shows. Quem intermediou o negócio foi Cláudia Faissol, mãe de sua filha caçula e uma das poucas pessoas que têm acesso a ele. João Gilberto recebeu um adiantamento de R$ 210 mil. Os shows não foram realizados, e o dinheiro também não foi devolvido. “Já fizemos duas reuniões para tratar da devolução desse dinheiro, mas não houve avanço. Temos de tomar as medidas cabíveis”, diz Maurício Pessoa.
Diante desse tipo de ameaça, o acordo com Dantas soa como um resgate financeiro. Quem ajudou a costurá-lo foi o advogado Marcos José Santos Meira. Filho de Castro Meira, ministro do Superior Tribunal de Justiça, foi ele quem ajudou João Gilberto a ganhar a causa contra a EMI no ano passado. Assim como Dantas e João Gilberto, ele também é baiano e conheceu o artista por meio de amigos em comum, em 2008. Meira foi advogado do ex-ministro José Dirceu num caso de improbidade administrativa na Casa Civil, em 2005. Dois anos depois, foi condenado pela Comissão de Valores Mobiliários por uso de informação privilegiada, durante o processo de compra da Varig pela Gol. Ele não quis falar sobre o contrato. “Preciso conversar antes com João, mas só vou encontrá-lo na semana que vem”, diz.
João Gilberto não dá entrevistas. Mesmo pessoas ligadas a ele sabem pouco de sua vida. Para o crítico e produtor musical Zuza Homem de Mello, ele vive exclusivamente para sua arte. Não se preocupa com questões materiais.“Negociações envolvendo dinheiro são conduzidas pelas pessoas que o cercam”, diz. João Gilberto, sabe- se agora, tem bons advogados. Procurada por ÉPOCA, a assessoria do grupo Opportunity, de Dantas, confirmou as informações da reportagem. “Não é de hoje que o Opportunity investe em cultura. João Gilberto nos procurou e decidimos apoiá-lo para que ele continue se dedicando a sua música”, diz a assessoria, fazendo eco às palavras do contrato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário