Em um depoimento tumultuado, com bate-boca e gritaria, o coronel
reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, 80, afirmou nesta sexta-feira
(10) à Comissão Nacional da Verdade que nunca matou nem torturou durante
a ditadura. Segundo ele, toda a ação do regime militar teve como
objetivo proteger o país de uma ditadura de esquerda.
O ex-chefe do DOI-Codi de São Paulo entre os anos de 1970 e 1974, auge
da repressão violenta aos resistentes ao regime, ainda afirmou que a
presidente Dilma Rousseff militou em organizações terroristas. Dilma fez
parte de grupos marxistas de resistência armada à ditadura. Durante o período ela foi presa e torturada.
"Com muito orgulho, cumpri minha missão. Portanto, creio quem é que deve
estar aqui não é o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. É o Exército
Brasileiro, que assumiu, por ordem do presidente da República, a ordem
de combater o terrorismo e sob os quais eu cumpri todas as ordens,
ordens legais, nenhuma ordem ilegal", disse. "Todas as organizações
terroristas, e mais de 40 eram elas, em todos os seus programas está lá
escrito claramente: o objetivo final é a instalação de uma ditadura do
proletariado, do comunismo. [...] Inclusive nas quatro organizações
terroristas que a nossa atual presidente da República [Dilma]
pertenceu", afirmou ele, no primeiro depoimento público da comissão. O
órgão que ele comandava era o principal centro de repressão do regime.
Mesmo com uma decisão judicial
que lhe dava o direito de não falar, Ustra fez uma defesa inicial e
depois decidiu responder, muitas vezes aos gritos e batendo na mesa,
diversas perguntas feitas pelos membros da comissão José Carlos Dias e
Claudio Fonteles. A outras se manteve calado.
"Nunca cometi assassinatos, nunca ocultei cadáveres, sempre agi segundo a
lei e a ordem. Não vou me entregar. Lutei, Lutei e lutei", disse
batendo na mesa.
Ele chegou por uma porta lateral do auditório onde ocorreu o depoimento,
de óculos escuros e usando uma bengala, acompanhado de seu advogado
--que ficou ao seu lado durante todo o tempo.
O coronel reformado foi inquirido sobre casos específicos e de maneira
geral sobre os casos de violações aos direitos humanos dos quais é
acusado --ele responde diversas ações que tentam responsabilizá-los
civilmente pelos fatos, uma vez que ele é beneficiário da Lei da Anistia
e não pode ser imputado criminalmente.
Negou todas, como sempre fez nos últimos anos. Mas quando questionado
sobre a existência do pau de arara e da "cadeira do dragão", nome dado a
um aparelho para a aplicação de choques elétricos, preferiu não
responder.
Questionado sobre estupros e corrupção no DOI, ele disse que era sim
responsável por tudo o que ocorria dentro do órgão, mas jurou por Deus
que esses crimes não ocorreram. "Isso nunca aconteceu. Digo em nome de
Deus." Ustra também reiterou que os mortos foram mortos em combate.
O depoimento esquentou de vez quando Fonteles começou a perguntar. Ele
citou um documento secreto produzido pelo próprio Exército, já
conhecido, mostrando que durante a gestão de Ustra ao menos 50 pessoas
morreram dentro do DOI, depois de presos.
Ustra se irritou ainda mais e disse que esse documento não prova que
eles morreram dentro das instalações governamentais. Fonteles replicou
com mais gritos, dizendo que o documento era claro.
"Você acha que eles eram anjinhos que foram mortos na prisão. Eles eram terroristas armados", gritou Ustra.
Fonteles propôs então uma acareação entre Ustra e o vereador de São
Paulo Gilberto Natalini (PV), que momentos antes dera um depoimento, na
mesma sessão, dizendo que foi torturado com requintes de crueldade por
Ustra.
Ustra se negou: "Eu não faço acareação com terrorista". Natalini, que
estava na plateia, prontamente se levantou, apontou o dedo para Ustra e
gritou: "Eu não sou terrorista. Terrorista é você!".
Neste momento, dois outros homens da plateia, que até então não tinham
falado, se levantaram também e gritaram: "Terrorista pode falar? Se
terrorista pode falar eu também quero falar!".
A gritaria, em tom de ameaça, se estendeu por alguns minutos. Fonteles
teve de, aos gritos, mandar as pessoas se calarem e, poucos minnutos
depois, encerrou o depoimento.
Os dois homens que defenderem Ustra acenaram para ele na saída. Um deles
não quis se identificar, apesar da insistência de jornalistas. O outro
era o general Rocha Paiva, que já deu diversas declarações contra a
Comissão da Verdade.
Para Fonteles, o resultado do depoimento foi positivo. "É assim que funciona a democracia."
MARIVAL CHAVES
Mais cedo, antes do depoimento de Ustra e de Natalini, falou o
ex-militar Marival Chaves, que trabalhou no DOI-Codi entre 1973 e 1976
--quatro meses sob o comando de Ustra.
Ele repetiu o que vem dizendo há 21 anos (sua primeira entrevista foi à
revista "Veja" em 1992) e relatou que ocorriam rotineiramente torturas
no DOI e Ustra sabia, além de participar delas.
Apesar de nunca ter presenciado sessões de sevícias, ele diz que elas
eram assunto corriqueiro entre os funcionários. "Depois de cada episódio
o público interno fervia."
Segundo ele, diversas pessoas morreram nas instalações do órgão, e esses
crimes eram escamoteados "pelos chamados 'teatrinhos'": suicídios ou
conflitos com a polícia forjados.
"Um capitão era o senhor da vida e da morte", afirmou sobre como as violações poderiam ocorrer.
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